Fritz
Müller (1822-1897) foi um naturalista que viveu em
Santa Catarina, o primeiro a testar as ideias de Darwin
e aprovar as tais. "Müller, pode-se dizer tranquilamente,
foi o primeiro a criar uma filogenia [história
evolutiva das espécies] séria, com base
no estudo exaustivo de material vivo, ao contrário
das especulações meramente teóricas
e fantasiosas, como as feitas por [Ernest] Haeckel",
escreveu o zoólogo Nelson Papavero em seu livro
"A Recepção do Darwinismo no Brasil".
O pesquisador do Museu de Zoologia da Universidade de
São Paulo afirma: “Müller salvou a teoria
do Darwin, que tinha acabado de surgir e vinha sendo muito
atacada." Papavero lamenta o fato de Müller
ser um tanto desconhecido, até entre cientistas
brasileiros.
Mesmo sem nunca terem se visto, os dois cientistas ficaram
amigos quando Darwin leu o livro de Müller, “Para
Darwin”, em 1865. O livro tinha sido escrito dois
anos antes, na antiga Florianópolis. A troca de
cartas durou até 1882, quando Darwin faleceu.
Para
testar a teoria do seu amigo, Müller escolheu um
grupo de crustáceos. Além de serem abundantes
na região é fácil a sua criação
em aquários. Muller nasceu na Alemanha e veio para
o Brasil em 1852.
O
último parágrafo da obra foi originalmente
escrito em alemão: "Espero ter conseguido
convencer os leitores de que realmente a teoria de Darwin
tem como para tantos outros fatos sem ela não explicados,
também a chave da interpretação para
o desenvolvimento dos crustáceos". O autor
continua: "Que as falhas dessa tentativa não
sejam jogadas sobre o plano pré-construído
pela mão segura do mestre, que sejam jogadas unicamente
sobre a incapacidade do operador, que não encontrou
o local exato de cada ferramenta". Para Papavero,
foram muitas as contribuições de Müller
à teoria darwinista.
Seu
único livro publicado em vida (outros foram editados
após sua morte), "desenvolvido em ambiente
primitivo, sem biblioteca adequada, equipamentos e recursos,
tornou-se um marco para a consolidação da
teoria de Darwin".
Para
Müller, por exemplo, a seleção natural
explica o fato de os machos do gênero Tanais (crustáceo
que vive sob a areia) de ter duas formas anatômicas:
um grupo de machos apresentava pinças grandes e
certo número de filamentos olfativos. No outro
grupo, as patas eram pequenas, mas o número de
filamentos para o olfato aparecia em quantidade enorme.
Segundo
Müller, a variação dos machos privilegiou
os grupos dos preensores e o conjunto dos animais com
olfato mais desenvolvido.
A
luta pela sobrevivência entre os dois grupos estava
sendo muito mais fácil para o grupo dos que tinham
as pinças grandes. Na contabilidade de Müller,
ao contar os crustáceos de Florianópolis,
havia cerca de cem indivíduos do grupo dos preensores
para apenas um representante do grupo de olfato aguçado
e patas pequenas.
Observou
outra evidência da evolução: descobriu
que os crustáceos superiores, como o camarão,
também possuem uma fase embrionária chamada
náupilus. Cientistas conheciam apenas em crustáceos
inferiores, o que era problema para Darwin. Se todo o
grupo evoluiu desde um mesmo ancestral comum, todos os
crustáceos deveriam passar ter as mesmas fases
embrionárias - assim como Müller atestou.
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Professor da
USP explica Darwin
"A
Origem das Espécies" radicalizou a visão
humana sobre o mundo, contestando a crença de o
mundo ter sido feito em seis dias. Nélio Bizzo,
professor da Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo, diz que, para exemplificar melhor
sua teoria, Darwin fez a seguinte analogia: “Assim
como a Terra gira em torno do Sol, astros gravitam eternamente
seguindo a leis fixas. Os seres vivos devem também
obedecer a essas leis, que podem então explicar
a diversificação das espécies"
Para
o professor, Darwin mostrou que para explicar a característica
de qualquer ser vivo hoje, é necessário
entender a história evolutiva dela. De acordo com
ele, todos os seres vivos são evoluídos
e têm uma longa história: "As bactérias
têm uma longa história, os tubarões,
os elefantes, o ser humano. Dizer que o homem é
o mais evoluído é uma perspectiva muito
egocêntrica, muito antropocêntrica."
"Essa é a ideia sobre a árvore da vida.
Um dos mitos frequentes é que ela seria uma árvore
direcionada, que teria o homem como principal produto,
e isso não é verdade", diz Bizzo.
Mitos
Darwin
não fazia nem parte da Marinha e nem tinha como
função no navio fazer coletas de materiais
biológicos ao redor do mundo.
Segundo
Bizzo, Darwin era convidado no navio de pesquisas cartográficas.
E a função desse navio era de mapeamento
da América do Sul. "Era um navio que tinha
uma tripulação armada, então era
uma tripulação que tinha atribuições
militares. Darwin era um convidado do capitão.
Ele tinha que pagar pelas suas despesas e quando remetia
o material para a Inglaterra tinha que arcar com os custos
disso", explica o professor.
O
Beagle ficou apenas três semanas nas ilhas Galápagos,
e durante esse tempo, Darwin foi percebendo as variações
de cada animal da mesma espécie. "Isso significa
que ele não teve um 'momento de Eureka'. Ele teve
várias ideias, que levaram um tempo para ocorrer",
conclui Bizzo.
Natália Souza/Pick-upau
Da Folha